Ainda que não seja franciscano secular, é aplicável a todo cristão o artigo 4º da Regra e Vida da OFS, o qual prescreve que, a partir da leitura assídua do Evangelho e da compreensão do Cristo como centro e inspirador da vida, deve-se passar “do Evangelho à vida e da vida ao Evangelho”.
Passar da vida ao Evangelho é saber encontrar no quotidiano a presença de Deus, bem como, a partir das experiências do mundo, buscar compreender o sentido da Palavra sagrada. Assim, o cristão deve saber meditar sobre o que vê e sente e tentar encontrar seu sentido no Evangelho.
A proximidade das eleições revela-se um momento oportuno para isso.
Em meio a tantos desafios por que passa o país, qualquer omissão é dotada de força ideológica. Não se posicionar, ter uma opinião, é consentir com o caminho em que é levado.
Mas a Igreja – o conjunto dos fiéis religiosos e leigos – pode interferir nas eleições?
Lucidamente, o papa Bento XVI assim expôs a questão na Carta Encíclica Deus é Amor (Deus Caritas Est): “a justa ordem da sociedade e do Estado é dever central da política […] Neste ponto, política e fé tocam-se” (pt. 28). Mas deixa bem claro que não é tarefa da Igreja impor essa consciência. O livre arbítrio humano deve desenvolver-se na liberdade e na responsabilidade.
A Igreja não é Estado, mas “não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça”. É seu papel argumentar e “despertar as forças espirituais” para que a Justiça se realize.
Essa é uma conseqüência do fato de que cabe primordialmente à religião cuidar do pastoreio espiritual. As coisas do mundo, “em acréscimo” (Mt 6:33), são decorrência do correto seguimento do Caminho, do Reino de Deus, numa relação entre fé e obras (Tg, 2:17; 1Pd 2:12; Rm 3:28).
Prossegue o papa Bento XVI dizendo que “o dever imediato de trabalhar por uma ordem justa na sociedade é próprio dos fiéis leigos. Estes, como cidadãos do Estado, são chamados a participar pessoalmente na vida pública” (grifos acrescentados, pt. 29).
E nesse aspecto repete o que afirmou seu antecessor, SS Venerável João Paulo II, na exortação apostólica pós-sinodal aos fiéis leigos (Christifideles Laici), quando disse que “A caridade que ama e serve a pessoa nunca poderá estar dissociada da justiça […] os fiéis leigos não podem absolutamente abdicar da participação na «política», ou seja, da múltipla e variada acção económica, social, legislativa, administrativa e cultural, destinada a promover orgânica e institucionalmente o bem comum” (pt. 42).
Portanto, a Igreja participa desse processo através dos fiéis leigos. São eles os responsáveis por, atuando diretamente nas estruturas do mundo, buscar maneiras de promover o bem de todos, segundo a visão cristã na qual foram batizados.
Dessa forma, não se fechando em si, mas assumindo a responsabilidade pela realidade na qual estão inseridos, é seu dever lutar, em primeiro lugar, pela conscientização da comunidade. Pois, é fundamental participar ativamente da vida social.
Mas ter uma opinião política não significa impor um determinado candidato ou partido, mas antes contribuir para que o voto de alguém seja fruto de sua livre vontade e consciência. Não, fruto de estelionato eleitoral, “compra” de votos, troca de favores e outros mecanismos escusos.
Deve-se exigir uma determinada postura moral do candidato? Tal como em relação ao aborto, às suas práticas religiosas, à vida em família?
Não se confundindo o Estado com a Igreja e sendo dever a convivência harmônica com o outro através da tolerância religiosa, o fiel vê que a eleição não é para um posto religioso. Todavia, se o fiel é aquele que tem fé, ele sabe que não se deve fazer concessões ao mal.
Não há mal necessário.
Aceitar que certas transformações ainda não ocorreram e saber conviver com atos errados praticados pelos outros é uma coisa; é dom, é paciência e mansidão.
Todavia, aceitar isso e não lutar para que tal situação não mude é conivência; é “construir túmulos para os profetas” (cf. Lc 11:47). Não se pode afastar do Cristo para abrandar um sofrimento.
Portanto, o fiel deve, sim, votar em alguém que esteja de acordo com o que ele acredita. Dentre as opções disponíveis, sem olhar a específica prática religiosa do candidato – mas atentamente observando se ele pratica boas obras, agradáveis aos olhos do Senhor, o mesmo que está presente em todo o universo – verificar se a sua pregação é concordante com a defesa da vida, dos valores cristãos, da família, da educação, da liberdade responsável, e contra a exploração, a dominação e a pobreza – material e moral.
O dever para com a Justiça chama o cristão a agir no próximo dia 3 de outubro. Nas eleições, cabe a ele mostrar o valor que tem a sua fé, para si e para a sociedade.
Paz e Bem!
Artigo no jornal "A Ordem", da Arquidiocese de Natal, sobre o tema: o dia "D" das eleições 2010
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